C.A.B.E.Ç.A.S

C.A.B.E.Ç.A.S

por Edson Godinho

Quando eu era criança, segundo minha mãe, ficava horas me olhando no espelho. Do que lembro minha obsessão sempre foi a imagem do meu rosto/cabeça.

Desde minhas primeiras produções o meu tema central é cabeça, demorou um pouco para eu entender isso. Cabeças com queixos pontudos, testas proeminentes, lábios carnudos e olhos grandes. Bom, parece que estou me descrevendo.

Esta exposição é composta por 39 desenhos – minha idade atual – de cabeças, dos mais diferentes tipos de pessoas testudas assim como eu. Dentre as imagens encontramos também algumas aparições de Emiliano Monteiro, o meu personagem mais pulsante. Além dos desenhos quatro chapéus de palha – um dos meus objetos prediletos – bricolados por mim fazem parte do acervo desta exposição.

Os desenhos são rápidos e vibrantes, assim como meu TDH, feitos com marcadores em suportes reutilizados. As molduras e acessórios populares, de plástico e baixo custo, são como os objetos encontrados nas casas de avós neste Brasil.

Serviço:

Local: Corpuszenstudio, Alameda Julia da Costa, 13, São Francisco;

Visitação: sábado 27 de janeiro das 15h às 21h, e domingo 28, das 10h às 18h;

Entrada: Gratuita;

Classificação: Livre.

Cursing “Parceiros da Noite” – 1980

Escuro, sujo, violento, sexual e confuso.

Texto e ilustração de Edson Godinho

O policial Steve Burns – Al Pacino – se infiltra na cultura BDSM da Nova York dos anos 80 à procura de um assassino em série. Burns é eleito para investigação por ter um porte físico parecido com o das vítimas. Na realidade, a maior parte dos atores do filme tem um físico similar ao de Al Pacino. Essa é uma das brincadeiras que constroem o clima soturno e erótico de “Crusing” proposto pelo diretor William Friedkin – “Operação França” 1971 e “O Exorcista” 1973.

Roupas de couro, luz difusa, cenas em becos, parques, boates, saunas e cabines nos confundem como se estivéssemos em um labirinto. A obra é aberta, e talvez existam vários assassinos rondando os clubes gays, inclusive um deles pode ser Burns. O filme é propositalmente confuso e ambíguo.

O desejo sem sombra de dúvidas é uma das forças motrizes de “Parceiros da Noite”, Steve Burns em meio a investigação nutre crescentes desejos homoeróticos, a ponto de afetar seu relacionamento heterossexual. Porém as experiências do personagem de Al Pacino são vividas no campo do desejo, tanto no sexo, quanto na morte, ou aparenta ser.

“Crusing” não obteve sucesso de crítica e bilheteria em seu lançamento, e também sofreu duras críticas da comunidade gay norte-americana da época, que acusavam o filme de taxar homens gays como psicopatas e assassinos.

Com o passar do tempo o filme vem ganhando um novo olhar e seu lugar no cinema cult. Talvez o fato do longa ter sido lançado em circuito comercial tenha sido um dos grandes motivos do fracasso.

Fato que “Crusing” tem uma linda direção de fotografia, é provocante, instigante, sujo, e conta com a impecável direção de William Friedkin. A atuação de Al Pacino é para muitos críticos distante e complicada, mas em minha opinião essa é a cereja do bolo e traduz os conflitos vividos por seu personagem.

“Parceiros da Noite” pode ser encontrado facilmente no youtube em sua versão dublada.

*ASSISTA O FILME COMPLETO

*Edson Godinho: artista visual, filmmaker, entusiasta, performer e professor.

ESCORPIÃO

Te entrego um pouco da minha juventude, mas apenas um pouco, já que ela começa a se encerrar.

Na segunda-feira peguei sua mão enquanto você me dizia que nos reencontramos dez após nosso primeiro encontro, no mesmo lugar. E te juro que não senti nada, e nem me assustei por não sentir nada. Eu sempre pensei que se te encontrasse novamente iria sentir algo muito intenso. Mas não, não senti. Entendi que…

Acordei no sábado anterior com duas picadas em meu corpo, no decorrer do dia elas foram se alastrando como estrias do meu ombro em direção ao peito. Um escorpião me picou, a tempo o processo foi interrompido por uma vacina.

Entendi que nunca fui apaixonado por você, fui apaixonado pela realidade que criei de você. Uma falsa realidade tão bem elaborada, que fiquei durante sete anos, sete longos anos, amando um VOCÊ que só existia em minha cabeça.

Mas posso dizer que não gostei do seu abraço, não por você, mas pelo contato humano sem permissão. Nada a ver com seu signo.  

Não gostei quando fui tocado algumas vezes no braço em um encontro derivado do aplicativo. Não gostei do chá que tomamos. Não gostei do dente sujo de alguma fruta pós café da manhã. Mas mesmo assim fiquei interessado por você por alguns dias, porém meu poder de abstração é tão grande quando minha cara de pau.

Ao retornar para casa do espetáculo cancelado, na fila do caixa das lojas AMERICANAS, fiquei hipnotizado por uma camiseta do SUBLIME. O dono da camiseta também era muito bonito. Ele virou para a sua possível namorada e disse:

– Quer um docinho?

A Ascensão de Diana

Na sexta-feira eu fui ao balé. Digo que, posso ter, ou me senti por algum momento na primeira cena de “Hable com Ella” de Pedro Almodóvar (2001). Na ocasião não assisti “Café Müller”, tão pouco vi Pina Bausch, mas sim, eu tive outro encontro profundo e muito determinante.

Minha sexta-feira foi intensa como de costume. Sou intenso, e pessoas que não são intensas tem uma dificuldade tremenda para entender a intensidade dos intensos. E nós intensos temos uma dificuldade tremenda para entender as pessoas que nos soam mornas.

Eu tive um encontro que talvez estava relutando em ter por conta de um dia demasiadamente adulto. Porém minha Perpétua / Ismênia veio até mim e fomos ao balé. Eu me deparei com uma obra linda, mas os corpos em cena, as luzes, os gestuais me levaram para outro lugar, um lugar de doze anos atrás.

Antes da regressão devo advertir a você, que me lê, que mais uma vez me sinto como Poncela. Eu novamente me iludo, e finjo que meu teclado preto é a máquina de escrever azul de “La Ley Del de Deseo” de Pedro Almodóvar (1987).

Eu vi em cena, baixo a luz âmbar um dos fantasmas sexuais de Diana, eu posso ter me enganado, não era apenas uma representação, era sim um dos fantasmas sexuais de Diana.

Há doze anos atrás eu resolvi brincar, dei a Diana, a deusa sagrada da caça, representada pelos chifres do cervo, casta, ares profanos de Afrodite. Pensava eu na época que todo corpo profano odiado pela massa, era na verdade o corpo mais desejado. O corpo mais comungado, mesmo que no escuro.

E assim nasceu Diana, meu último filme de roteiro. Diana era todo o desprezo que há doze anos atrás eu nutria pelo meu ser, pelo meu corpo.

Como uma criança peralta e desavisada das consequências, eu, tão só eu, e realmente muito só, decidi brincar com meus traumas.

Diana é tão suja como sua estética, Diana é a concretização do meu trabalho artístico que venho arrastando por encarnações.

Naquela época aos meus vinte cinco anos, o plano de um curta metragem se transformou em uma edição de um longa-metragem, de nome “Diana – Tudo ou Nada”. Composto por imagens de Diana agonizando, de Diana morrendo de medo dos seus fantasmas sexuais, que foram no filme personificados por belos corpos de jovens rapazes.

Em 2010 eu havia assistido “That Man: Peter Berlin” de Jim Tushinski (2005), e absorvi todo o nojo pelo sexo que Peter desenvolveu no auge da AIDS na Nova York dos anos 80. Era eu uma cabecinha cheia de referências, mas muito confusa.

Dentro das experimentações de Diana eu fiz cenas de um animal ferido, e sequências de uma banana apodrecendo no canto. E na realidade quem estava ferido, e apodrecia era eu.

Na mesma época de Diana, também rodei o curta-metragem “Sobre Dória” um roteiro que tinha escrivinhado dez anos antes. Dória ganhou vida, Dória foi para frente – ao que pese que hoje não posso exibir o filme, pois não tenho os seus direitos autorais. Mas Diana foi me aterrorizando, me envenenando e eu não pude concluir sua edição.

Ass: Laura P.

Não terminei Diana e fui embora para Curitiba, enquanto escrevo este texto revelador, eu escuto “At Last” na voz de Etta James, porém não me consumo com cervejas baratas e cigarros como faria na época de Diana.

Diana morreu em 2010, mas deu vida ao meu momento mais emblemático como artista, o “Carne de Açougue”. Toda a confusão e pulsação que adquiri no processo de Diana se transformou em uma série de vídeo-artes, desenhos e performances cujo tema central era apenas o desprezo a mim mesmo.

Eu tive que matar Diana, tive que degolá-la com minhas próprias mãos, e após seu último suspiro disparei contra Diana 7 tiros mortais em seu peito. E só assim saí desta fase, só assim veio “Mudos Possíveis” e agora “7” que utilizo como meu Talismã. Eu pedi minha licença: “Deixa-me Matar”.

Na época eu propus ao interlocutor que passasse a odiar Diana, pois ela merecia… Fomos tão odiados… Eu e Diana um par ensandecidamente complementar.

Volto aqui, aos dias de hoje, no momento em que meu corpo eternamente profano sentou-se na cadeira do teatro e se apavorou ao rever Diana no balé. Um belo trabalho, e um corpo, um fantasma que me atravessou.

Não pensem que Diana é uma diaba, não. Diana foi, e é, e sempre será a deidade, que me deu permissão para reencarnar vivo nesta existência, pela primeira vez em milhares de anos. Diana é o meu eu do futuro.

Agora me sinto tocado como por um beijo divino, e bem acolhido no meu recente reencarnio, que se iniciou apenas há quatro anos. Sou uma criança cósmica, com uma constelação na barriga, dando as mãos para Emmanuel que está me guiando para a quinta dimensão.

Fui atravessado

Acabo de sentar em minha mesa para escrever, e sabe, este é um dos lugares mais confortáveis da casa. Aqui consigo processar inspirações em imagens e em textos.

Sempre gostei de escrever, me lembro que na escola as minhas redações não eram as melhores da turma, mas também não eram as piores. O fato de ser mediano nunca me impediu de escrever. O fato de ser mediano de forma geral, nunca conteve minhas ganas em me expressar por diferentes suportes artísticos.

Que texto pessoal, sim, mais um texto pessoal. É que fui atravessado, não sei ainda como, por quem, ou como. Mas o fato é que fui atravessado nos últimos dias, e desde, então, estou aqui reflexionando, procurando identificar como surgiu esse sentimento avassalador que ocupa meu ser.

Acabo de dar um gole em meu chá de morango e maracujá, isso me reconforta, a cor do chá é vermelha. E eu, tão só eu, mas não só eu adoro o vermelho.

Fui atravessado, porém hoje aos trinta esse atravessamento chega de forma diferente, ele me mobiliza, mas não me paralisa.

Fui atravessado. Mas prefiro o atravessamento da minha alma inquieta e avassaladoramente intensa, do que a frigidez de uma vida sem vermelho.

Ass: Laura P. EU

Diário de Viagem

Me sentei para escrever e me senti o Eduardo Poncela em “A Lei do Desejo” (1987) do Almodóvar.
Outro dia quis comprar uma máquina de escrever azul, para ser o Poncela e escrever de forma marginal sobre a minha preguiça social.
Fato que, na realidade, este texto é um diário de férias, e aqui como em poucos momentos vou me atrever a escrever em primeira pessoa, na minha pessoa.
Ao sentar coloquei “Maps” de Yeah, Yeah, Yeahs. Minutos antes andava em círculos na rodoviária de Maringá escutando “Maps” e o barulho das rodinhas de minha mala preta, com detalhes verdes ao tom de Sofia Coppola. E me lembrei de quando voei para Buenos Aires escutando o mesmo som. Nessa época, nessa viagem me deslumbrei e me apaixonei por tantos metros de concreto. Conheci minha igreja preferida o Cine Gaumont, e lá vi “One Shot” (2018) de Sergio Mazza. E entendi que envelhecer é inevitável. Mas envelhecer amando a vida é um dom, espero ter este dom “divino” de Deus – fora os meus outros.
Houve uma época em que eu amava mentir a minha idade, mentir meu nome, e criar novos eus. Era ,então, eu, um corpo alto, magro, um pouco mais jovem, manipulador e sem nenhuma consciência social, ainda.
Lembro aqui de uma tarde quente de dezembro em Curitiba, na qual eu e um amigo ao embalo de muitas cervejas saímos pelas ruas com pouquíssima roupa, sentindo o sol no corpo, correndo e gritando, como em qualquer sonho febril de um jovem ébrio, fogoso e sentimental. Esta cena me veio como um quadro, ou como uma sequência de “The Dreamers” (2003) do Bertolucci.
E todas essas viagens são para falar do meu último processo de religar, eu saí da minha casa, dei o primeiro passo e pensei em religar.
Voltei a ilha e nem me lembro quantas vezes já estive lá, o fato é que sempre sou tomado em Florianópolis por uma febre que me deixa as bochechas vermelhas e a boca carnosa.
Porém desta vez passei perto da “Cantina da Pipa” e apenas tive uma memória vaga de um tórrido romance com comentários de “Rocky Horror Picture Show” (1975) de Jim Sharman.
Quando estive na UFSC sorri levemente e me recordei do balde de caipirinha da UEL – um nojo pré-juvenil – em um NDesign Magenta. E também lembrei da minha fantasia de Bowie feita de uma bermuda vermelha de tactel, para um baile que ali aconteceu.
Sim, eu me religuiei, mas também me senti dono de novas histórias… E isso é ótimo para um contador de história.
E então me senti mais do que abraçado por um velho amigo, também amante do cinema.
Eu escutei mais uma, ou muitas vezes “Kiss Me” do Sixpence None The Richer, ao por do sol.
Comprei um boneco lindo do Buzz Lightyear, só pra gravar em mim a força da amizade.
E com “Toy Story” (1995) de John Lasseter, como pano de fundo tive experiências e sensações entre o êxtase e o afeto. E em “Como Se Fosse A Primeira Vez (2004) de Peter Segal, me permiti a sentir um quentinho e uma breve confusão.
Já em Curitiba o Júnior – e este nome eu devo dizer – me deu um beijo e um abraço fraterno, e me disse que eu ainda não consigo ver tudo o que sou e faço. Esses conselhos de um amigo que sempre fala comigo e de mim com os olhos brilhantes.
Acompanhei meus amigos bebedores de Chelitas, e rimos muito ao falarmos de meus dons premonitórios como em “Amantes Passageiros” (2013) do Pedrinho.
E enfim, estive novamente em casa, e fui abraçado por todos, até os mais distantes com amor, amor sólido.
Eu queria escrever tudo isso na minha mesa vermelha, na máquina azul do Poncela. Mas escrevo no celular a caminho de Paranavaí.
Ass: Laura P. ( talvez o texto contenha erros, ele foi feito na emoção).

Diário Solitário 003

Publicado originalmente em 20 de dezembro de 2021, no Jornal Diário do Noroeste

Caru sempre foi alto astral. Dona de um sorriso gigante, alta – 1m82 – pele morena, olhos grandes e cabelos cacheados. Na faculdade conheceu Ricardo e se apaixonou profundamente e foi assim que logo casaram.

Desde muito nova demonstrou interesse pela moda, e acabou se tornando estilista na vida adulta. Passou sete anos trabalhando em uma marca de roupas para banho, na qual teve muitos aprendizados e crescimentos. Mas também passou por muita pressão e desafetos, o que acabou drenando sua saúde mental. Foi quando Caru decidiu mudar seu caminho e pediu demissão, após um período de descanso ela abriu uma marca de roupas com influências regionais brasileiras. Sua marca mantém uma cooperativa de senhoras bordadeiras e costureiras, que fazem um trabalho único e exclusivo. Caru herdou da mãe Sônia o gosto pelo bordado e trabalho manuais, e do pai Antônio a obstinação e garra para o trabalho.

Em dado momento o casamento de Caru e Ricardo saiu dos trilhos, ela sentia que algo estava errado, Ricardo ficava cada vez mais calado e distante. E os planos de terem filhos eram inviáveis já que pararam de se relacionar sexualmente.

Ricardo um dia chegou para Caru e disse que a traiu, foi um rompante em uma noite de desespero. Ele saiu de casa, bebeu e fez sexo com uma estranha na rua. Caru achou aquilo pesado, mas ainda não sabia o que estava por vir.

Ricardo nessa noite acabou contraindo HIV, e só foi descobrir porque precisou fazer exames pré-operatórios. Caru ficou desesperada, em sua cabeça pesava o fato da traição e de estar contaminada.

Ricardo tentou conter a crise de pânico de Caru, e explicou que depois da noite que saiu com essa estranha foi quando pararam de fazer sexo. E também disse que tem o vírus do HIV e não a doença a AIDS. E que após o exame vem se consultando, tomando os medicamentos e que sua carga viral está indetectável.

Caru começou a conter a respiração, baixar o fluxo de pensamentos e levou sua cabeça para um lugar no qual pudesse entender as ações de Ricardo.

Foi quando Ricardo explicou para Caru que amava Felipe, desde quando eles se conheceram na Faculdade, e que de certa forma o casamento deles era uma mentira.

Ricardo tem muito para corrigir na vida, e Caru resolveu por um tempo não pensar mais nessa história, focar em seu trabalho, tenta conviver com a dor da traição não só de uma noite, mas de uma vida inteira.

Ricardo foi morar com sua irmã Puma. Ele pretende falar com Felipe e conseguir o perdão de Caru.

Edson Godinho